terça-feira, 13 de maio de 2014

Do Esquerdopata

*** Este texto tem cunho muito mais emotivo-reflexivo do que uma sequência lógica de pesquisas, como outros textos do "brógue"***

    Primeiramente bom dia. 

    Acho válido abordar o tema da "esquerda" e "direita" de uma maneira mais sutil, talvez escrevendo algo mais denso depois, mas a ideia é explicitar o porquê de ter escolhido "o lado vermelho da força". 
    Acho demasiadamente superficial chamar a esquerda de socialismo e a direita de capitalismo, até porque são duas ideias meio cruas, a serem coloridas com tantas nuances a serem preenchidas que a coisa fica complicada de ser delimitada como um sistema econômico, "somente". Não se trata só de economia.
    Certa vez, numa dessas conversas de boteco, com um bróder que considero muito sapiente em suas colocações, me foi apresentado um panorama bem interessante sobre ser "de esquerda" ou "de direita": "se é a favor do sistema, você é de direita; se é contra, você é de esquerda". Foi o que o Wel disse. 
    Acho que ouvimos tanto que precisamos ser pessoas direitas na vida, que precisamos seguir a conduta social, que precisamos estudar, casar, ter filhos, comprar uma casa, plantar uma árvore, escrever um livro - e não necessariamente nesta ordem. Mas casar precisa ser antes de ter filho, porque sexo só depois do casamento. Qualquer coisa aperta a barriga da noiva com espartilho pra esconder a criança que tá crescendo ali. Pena de morte, redução da maioridade penal, esconder renda pra pagar menos imposto (que o governo 'rouba' demais)? Perfeito, totalmente legítimo. Aborto, respeito ao corpo da mulher, educação de qualidade para todos, oportunidades iguais a todos os cidadãos, casamento para pessoas do mesmo sexo, bolsa-família? Ah, isso é coisa de esquerdopata, é privilégio, é vagabundo querendo viver às custas dos outros que trabalham pra valer.
    O problema maior em ser um "cidadão de bem" é justamente essa capacidade que ele se põe de enxergar sua vida como a única realidade plausível e possível. Os pais dele eram pobres e batalharam, deram condições para que ele estudasse. Trabalhou desde pequeno, sabe como é, não é um 'vagabundo', trabalhou duro para ter o que tem hoje. E vive numa bolha. Acontece que vivemos em uma sociedade. É tipo um monte de bolha, uma grudada na outra - e se virmos isso de longe, é uma espuma (tipo quando aperta uma esponja de lavar louça com detergente e sai a espuminha branca, saca?). Daí acontece uma coisa meio diferente. Uma unidade é diferente do todo, as propriedades mudam, sacomé. E isso não acontece só nesse caso, é mais ou menos algo universal: uma partícula de carga q tem um comportamento; se submetermos a todo um campo eletromagnético, as coisas mudam bastante; ou um aminoácido, no meio de uma proteína, a coisa muda. Ou uma molécula de gás, no meio de um sistema inteiro. Fugindo do micro, indo pra 10¹: rebanhos de animais, manadas; no macro, temos correntes oceânicas, convergência de ventos - e saindo do planeta, ainda temos toda a estrutura do universo baseada em interações. Me diz qual a lógica que tem em um cidadão achar que a verdade dele é a única e que seu sucesso e sua vida dependem apenas de seus esforços, quando O RESTO DO UNIVERSO tá mostrando que tudo depende da interação? Osso, né, galere.
    Bem, partindo do pressuposto lógico, de que convivemos em sociedade e que o rumo que esta toma nos afeta diretamente, fica o questionamento: 
 "Você está de acordo com como as coisas estão, ou acha que tem muita coisa errada por aí?"
    Desculpa, mas ninguém tá contente com o modo que as coisas são conduzidas, hoje em dia. Então por que propagar o erro? Por que continuar agente mantenedor desse sistema caótico? Por que não mudar algumas diretrizes?
    O erro mais comum que consigo enxergar (em mim e) em todos é o de não nos colocarmos no lugar do outro, a falta de empatia pelos demais. Temos uma preguiça crônica de virar o pescoço e olhar pra bolha ali do lado, e ver que dentro dela tá faltando comida, dignidade, acessibilidade à toda e qualquer coisa que pode nos estar sobrando.
    São pretos pedindo para que não haja mais discriminação, do meio acadêmico ao esporte; são gays pedindo o direito de seus gostos serem respeitados, sem que sejam agredidos; são mulheres pedindo dignidade às suas pessoas, seus corpos, seus salários; são pobres pedindo que finde a exploração para que ricos se sustentem num luxo incoerente; são religiões (maior parte não cristã) que tem seus altares e crenças destruídos; são índios sem ocas; são peões sem terra; são quilombolas sem chão; são craqueiros sem dignidade... São tantos direitos negados a tantas pessoas... E a conduta que rege essa nossa levada só resulta num caos, na extinção de todos nós. Não podemos ser coniventes com a destruição do próximo, porque o próximo somos nós mesmos!
    Somos ensinados a rechaçar o diferente, mas ninguém aqui é igual, todos temos nossos traços e nossos perfis. Não podemos travar uma guerra contra nós mesmos. Precisamos da empatia com o próximo, para desconstruir esse sistema nervoso e nocivo que nos julga e condena. Uma justiça imperfeita regida por sentimentos de ódio e intolerância, uma competitividade ensinada desde que nascemos.
    Por isso sou de esquerda. Não concordo com esse ritmo caótico que não nos quer por aqui. Discordo de como as coisas são carregadas, empurradas com a barriga. Não quero que nossos preconceitos nos destruam, não quero que tenhamos privilégios sobre os demais, baseando nosso luxo na miséria. Não quero que alguém derrame lágrima pra desenhar meu sorriso (nem azinimiga). Quero que as pessoas sejam respeitadas pelo que são, que as oportunidades sejam iguais. Que tenhamos todos os mesmos direitos e privilégios.
    Pode chamar de esquerdopata, pode chamar de petralha, pode chamar de esquerdista. Sou mesmo. E com orgulho. Quando o sistema for o amor e o respeito, aí eu serei de "direita" ;)