quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sobre feto e afeto

    Queria falar sobre isso alguma hora. Não achei um momento propício, mas andei pensando a respeito, então resolvi pontuar as ( minhas poucas) ideias. Então vamos lá, falar sobre um tema tão delicado quanto possível: aborto.

A putinha aborteira
    Costumeiramente a mulher que aborta é estereotipada como a chamada "putinha  aborteira", uma moça na casa dos 16-25 anos sexualmente livre que agiria de maneira inconsequente e transaria com todos (e todas), sem os devidos cuidados (chamado de sexo seguro, utilizando preservativo - masculino ou feminino), que engravidaria e abortaria com alguma frequência.
    Uma pesquisa realizada em 2010, na UnB, em parceria com o Instituto de Bioética, financiado pelo Fundo Nacional de Saúde, com mais de 2 mil mulheres (brasileiras, 18-39 anos) mostra uma outra figura desta mulher que aborta. 64% das mulheres que abortaram eram casadas. 81% delas já é mãe de pelo menos um filho. Um quarto ganha até um salário mínimo, 31% de 1 a 2 salários, 35% de 2 a 5 e ~10% acima de 5 salários (então a faixa gorda dessas mulheres apresenta uma faixa de renda suficiente para sustentar - não necessariamente com qualidade - um filho a mais). Cerca de 60% tem de 30 a 39 anos.
    E não pense que é coisa de atea. 88% das mulheres que abortam, tem religião, e dentre essas, 65% católicas, 25% evangélicas. Então mulheres balzaquianas, com alguma faixa de renda e religiosas são o perfil médio das "putinhas aborteiras".

Aborto e a mulher: questão de saúde pública
    Quando temos um problema de saúde pontual, em uma região (bairro, cidade), é um caso isolado. Se ocorre num determinado nicho populacional, como uma determinada faixa etária, ou classe social, ou população de uma região grande, é um caso que precisa de alguma atenção, uma certa atuação do poder público com políticas específicas. Quando é um problema generalizado, é um caso de saúde pública.
    No estudo proposto por Greice Menezes; Estela M. L. Aquino, no Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, apresentou um índice de mortandade de quase 12% das grávidas por conta de abortos.
    Cerca de 1/3 dos leitos obstétricos do país estão ocupados por mulheres que sofreram complicações com abortos inseguros. E elas ocupam esses leitos por muito mais tempo do que partos normais ou cesarianas. A estimativa é de cerca de 20% das mulheres do país terem realizado aborto. Jefferson Drezet,
ginecologista e obstetra representante do Grupo de Estudos do Aborto (GEA), aponta que no Brasil ocorrem cerca de 1 milhão de abortos e 250 mil internações por ano, por decorrência de abortos inseguros, sendo a maior causa de internações obstetrícias no país.
    De cada 5 abortos, 2 são realizados de maneira totalmente insegura (isso inclui inserir agulhas de crochê pelo canal vaginal, até o útero, entre outras práticas dignas de um açougue).
    Um aborto clandestino seguro tem seu custo entre 2 e 5 mil reais, dependendo do local e do estágio de gravidez, apresentando altos riscos para a mulher que o realiza. Esse montante destinado ao procedimento torna-o, por muitas vezes, inacessível à mulher pobre, da periferia, que acaba optando por métodos com cara de filme de terror, causando um ônus absurdo a saúde da mulher, daqueles que vão custar 100-500 reais, coisa que com muito esforço o salário mínimo vai pagar (lembrando que um filho sai muito, mas MUITO mais caro que isso, mensalmente, até pelo menos 18 anos).
    A criminalização do aborto dificulta o tratamento, uma vez que muitas das mulheres que chegam em hospitais com hemorragias não dizem ser por conta de abortos, mas claramente tem-se neles a causa das complicações. 
 
Aborto criminalizado X aborto regulamentado
    O aborto é legal nos seguintes países:

África do Sul
Albânia
Alemanha
Armênia
Áustria
Azerbaijão
Belarus
Bélgica
Bósnia
Bulgária
Camboja
Canadá
Cazaquistão
China
Coréia do Norte
Croácia
Cuba
Dinamarca
Eslovênia
Estônia 
França
Geórgia
Grécia
Guiana
Guiana Francesa
Hungria
Itália
Laos
Letônia
Lituânia
Luxemburgo
Macedônia
Moldávia
Mongália
Montenegro
Nepal
Noruega
Porto Rico
Portugal
Quirguistão
República Tcheca
Romênia
Rússia (desde a época da URSS, legalizado e totalmente custeado pelo governo desde 1920)
Sérvia
Suécia
Suíça
Tadjiquistão
Tunísia
Turcomenistão
Turquia
Ucrânia 
Uruguai
Uzbequistão
Vietnã

  O Uruguai é o caçula dessas nações aí, em dezembro 2012 (pelo lindo do Mujica <3 ). Antes da legalização do nosso hermano, a taxa estimada era de 33 mil abortos por ano, caindo pra menos de 6700, no primeiro ano após a regulamentação. E nenhuma morte. 50 mulheres apresentaram complicações leves que tiveram que passar um período de até 24h no hospital. Os demais casos não houve nenhum tipo de sequela ou problemática.
    Para entender melhor como nosso hermano maconheiro e abortista funciona: o aborto até 3 meses (~12 semanas, antes do feto começar a desenvolver uma rede neural, que virará o sistema nervoso, portanto não pensa nem sente nada). A mulher que opta pela realização do aborto é então dirigida a uma série de orientações, onde vai entender o procedimento e depois por uma triagem pra avaliação psicológica e começar o tratamento psicológico. Note que essas medidas reduziram o número de abortos pra cerca de 20% do que era, anteriormente.

O aborto e o direito reprodutivo
    Vale lembrar que as medidas voltadas ao aborto fazem parte do direito ao planejamento reprodutivo da população, que é o direito do indivíduo escolher como e quando se reproduzir. Para se ter acesso aos métodos, além da possibilidade de ter o preservativo, o anticoncepcional ou qualquer outro método, é preciso saber como utilizá-lo. Temos, em nosso país, plena distribuição de camisinhas (masculinas), mas grande parte da população sequer sabe como utilizar (sério, muita gente acha que só põe na hora de gozar, ou ~tenha criatividade e imagine absurdos~ e pronto, terá de tudo), além do peso da religião em evitar o uso de tais recursos. Nas escolas o sexo é tido como tabu, e a orientação sexual é muitas vezes evitada, ou explanada de maneira muito superficial, o que agrava a situação da má utilização de camisinhas ou anticoncepcionais.
    Enquanto o país não tiver uma metodologia de aplicação 100% eficaz dos métodos contraceptivos, não se pode cobrar uma postura não abortiva. É burra por definição essa tomada de decisão. A pessoa tem que ter o total controle de quando quer se reproduzir, por estar em condições financeiras, psicológicas e de carreira de criar uma criança. E sim, acidentes acontecem SIM.
    E só pra dar um toque: querendo você ou não, os abortos vão continuar acontecendo. Quer ser pró-vida, seja a favor da legalização, que sempre resulta em diminuição da mortandade (se a mãe morre a criança não desenvolve, né, gentem...), então sai pra lá com esse papo de pró-vida.

O aborto e a sociedade (machista)
    Quanto à condenação do aborto, perante a sociedade, não é preciso frisar que é uma conduta machista, né? Mas o que esperar de um país ocidental com uma formação cristã (e uma bancada nada laica no Congresso)  como o nosso? A igreja católica já é machista pra caramba, tanto pela parte hierárquica quanto pela sua construção política que visava quebrar o lance da mulher empoderada das religiões pagãs. Tanto é que Papai do céu é homem - e não fala com nenhuma mulher ao longo da bíblia inteira, né.
    A sociedade condena a mulher que opta por não ser mãe, chamando-a de homossexual e tal. Ou faz uma pressão imensa para que toda mulher seja mãe. O que não acontece com uma mulher que desiste de ser mãe, carregando um feto? Enquanto o homem que opta por não ser pai é ok, desde que pague pensão. E quando pai, nem precisa participar na formação da criança.
    A condenação do aborto é dada por esse caráter machista da nossa sociedade, o que precisa ser urgentemente alterado. Ou que os ""direitos de cidadão de bem"" sejam iguais, e o pai que abandona seja violentamente execrado e humilhado socialmente, se o fizer (não desejo isso nem prazinimiga, quero mais que todo mundo seja feliz e abortivo mesmo).
    Num cenário hipotético onde haja pleno acesso a todos os tipos de métodos contraceptivos 100% eficazes, e não houvesse violência contra a mulher, para que ela pudesse escolher quando engravidar, o aborto seria desnecessário. Enquanto essa utopia não for atingida, o aborto NECESSITA ser legalizado com a mais breve urgência.

     Chegamos num ponto onde tá rolando aquele lance de estuprador assumir como pai, ter q dar pensão e ainda por cima ter direito a visita da criança, que obviamente, enquanto feto, não poderia ser abortada. Barbárie, né, gente.

    Não pretendo tratar dos aspectos psicológicos da mulher nesse texto (por não ter conhecimento e se fosse pesquisar o texto ia ficar demasiadamente longo e ninguém ia ter pachorra de ler), nem do cenário do estupro ou cultura de estupro que rola por aí (fica pra um texto futuro), então é isso. Acho que tem que legalizar sim, querendo religiosos ou não, porque uma postura dogmática pode e DEVE ser contestada, principalmente quando os números estão totalmente contra as afirmações deles e da sociedade que se embasa nesses conceitos pra dialogar. Enquanto houver morte e violência contra mulheres, a coisa precisa ser combatida

terça-feira, 17 de junho de 2014

Vão se foderem

    Recentemente um cara que eu considero muito inteligente e conciso me atentou pra um fato que tinha passado desapercebido por mim, esses anos todos - e provavelmente da maioria da galera (quero acreditar que, pra não me sentir bobinho demais): palavrões são nocivos, socialmente falando.
    Como assim? Bem, vamos lá.

    Filho da puta, vagabunda, vadia, vai tomar no cu, vai se foder, puta, viadinho, corno, cotoco, perna-de-pau, cuzão, virjão, cabaço, retardado, lesado, filho duma descabaçada, filho duma rapariga, bichinha, baitola, pau no cu, cachorra, cadela, piranha, rabudo, moleque, remelento, chifrudo. Xingamentos comuns, que usamos no cotidiano, soltamos sem pestanejar, quando batemos o dedinho do pé na quina do móvel ou quando estamos bravos com alguém.
   
    Usamos termos muitas vezes ligados a uma condição ou gênero da pessoa. Muitas das ofensas são ligadas à sexualidade da mulher e trabalhando nelas de maneira pejorativa. Vadia, vagabunda, puta, filho da puta. Mesmo quando queremos ofender a pessoa, ofendemos a mãe. Ou se queremos xingar um homem, é corno, é viado. A culpa é da mulher. Ou dele gostar de homens.
    Se comete algum erro leviano, é virgem, cabaço. Como se transar fosse um ritual de passagem onde as pessoas magicamente se tornassem mais sábias e competentes. Pffffff. Além de tudo, mais uma vez, a culpa voltada à sexualidade. Não tá de saco cheio de ficar regulando a foda alheia não? Deixa a galera trepar a vontade e ser feliz, larga esse recalque de lado e vem pra esse rolê mais festivo!
    E o popular vai tomar no cu e suas derivações, como o 'vai se foder'. Conta pra gente, aqui: quem que pratica sexo anal? Homem hétero que não é. É mulher e homem homo. E o termo é usado como ofensa - ou seja, coloca em posição de inferioridade quem pratica (dica, gente: isso é machismo). Como o que aconteceu com nossa presidentA, em episódio recente, quando um grupo puxou, em coro, um xingamento desses - que infringiu em alguns pontos da Constituição Federal E Código Penal (então é crime, gente!). Só demonstrando como nossa sociedade pode ser bem preconceituosa. Quer discordar da Dilma? Critique sua política, suas decisões. Se ela der o cu, o problema (ou prazer) é todo dela, e vocês não tem que regular a foda da pessoa mais poderosa do país!

    E antes que digam que isso é mimimi, que é frescura, vai um puxão de orelha: não é. É uma série de preconceitos que são tão enraizados que não notamos essas ""sutilezas"", tornou-se comum oprimir. Se queremos ofender alguém, que ofendamos sua conduta real, e não usemos termos que perjorem sua imagem por usar termos ligados a gêneros, orientação sexual ou etnia. Quer xingar alguém? Chame de hipócrita, tapado, bobo, feio, chato, cara de mamão, olavete...
    A língua é a expressão máxima da cultura de um povo, é como a gente se comunica, como passamos todas nossas mensagens, transmitimos conhecimento e noções da sociedade. Lutar contra essa cultura de estupro, homofóbica, etc etc é nosso dever. Dizer que é pra deixar de lado é como dizer que o racismo vai se extinguir por não falarmos nele - e daí caímos nesse racismo velado que vemos no nosso país, onde ninguém é racista, mas boa parte da galera muda de calçada quando vem um negro na sua direção.
    Fica a dica pra repensarmos nesse lance de palavrões. E aceito sugestões de novos xingamentos, isentos desse cunho preconceituoso, preciso refazer meu vocabulário :)