quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Dilma caiu. E eu com isso?

   31/08/2016. Cerca de 13h30 a então presidenta do Brasil, eleita com mais de 54 milhões de votos, sofreu um processo de impeachment. Foram 60 votos a favor do impedimento, e 21 contrários. Dentre os votos relativos à cassação dos direitos políticos, ou seja, tirar dela a possibilidade de exercer cargos políticos, a votação foi de 42 a 36 - ou seja, não fora suficiente para cassar os tais direitos políticos, o que necessitaria 2/3 de votos a favor da cassação. Isso nos mostra uma situação bastante interessante, onde: i) querem tirá-la do cargo; ii) acham que ela é competente e não deve ser mantida longe do governo, possibilitando que ela atue politicamente - situação totalmente impossível para alguém que comete crime de responsabilidade. Ou seja, os próprios senadores admitiram que não houve crime de responsabilidade, apenas uma falta de interesse em permitir que a então presidenta continuasse seu mandato.

    Dilma caiu. E eu com isso? Eu sou socialmente lido como branco (salvo em recintos específicos, como na faculdade), tenho moradia, uma renda fixa, sou mão de obra especializada (formação técnica em bom colégio, logo me graduo como engenheiro). Não há cenário mais confortável para um recém-formado engenheiro do que a situação na qual vamos seguir. Retirada de direito de trabalhadores, baixa salarial, precarização de serviço; você submete o trabalhador mais braçal a jornadas de trabalho extensas de até 11h, forçando pedidos de demissão - ou demitindo os profissionais qualificados de antes.
   Afinal de contas, pra que pagar um engenheiro com 35 anos de experiência, se pode pagar 25% do salário para um recém formado? E mais, é razoavelmente barato me sustentar, aceito trabalhar em horários absurdos e terei um monte de funcionários terceirizados e desqualificados - sempre jovens, já que os velhos não produzem por terem dores nas costas e cansaço crônico, sob meu comando. Deu problema na produção? Descarta a equipe inteira. Treinamento? Perda de tempo e dinheiro. Tenho costa-larga nessa situação.
   Então por que estou chateado? Não serei eu o tipo de gente mais favorecida pela conjuntura neoliberal e entreguista?

   Ok, vamos analisar sob outra ótica:
   Primeiro posso alocar meu critério emocional. Embora estive por pouco tempo na docência, tive contato com mais de duas centenas de alunos da rede pública estadual, residentes de regiões periféricas. E eles serão, em grande parte, constituintes daquela mão de obra não especializada. As parcas oportunidades de ascensão na vida dessa molecada são dadas com esforço no estudo e no trabalho - com planos de carreira. Na situação onde o empregado mais braçal jamais pode aspirar a uma carreira interna e onde as oportunidades de estudo são cerceadas, por exemplo, com o fim do PRONATEC - já encerrado - e a redução drástica de bolsas no PROUNI e FIEES, tais oportunidades serão zeradas.
   Em casa, temos uma dívida. A taxa básica de juros, como de empréstimos consignados e cheque especial - coisas de pobre, porque rico não faz empréstimo, faz negócios e investimentos, vai piorar muito minha situação. E a taxa selic, o retorno de juros dos investimentos no tesouro nacional, por exemplo, vai subir ainda mais, favorecendo "investidores" milionários cuja única atividade ""produtiva"" é depositar uma quantia nesses bancos de investimentos e retirada de montantes exorbitantes, mês a mês, bancados com impostos pagos pelos pobres.

   O nível de violência cresce, conforme cresce o nível de desigualdade social aumenta. A condição de vida também fica um pouco pior. É só pegarmos os índices dos anos 90, em relação a desemprego, a salário e outros parâmetros. Vamos retornar pra uma situação muito similar.
   Ou seja, num global, estou ferrado. E você, também?

Estou reativando o blog e pretendo fazer postagens periódicas.
Agradeço a quem leu e gostaria muito de debater com vocês a respeito dos temas propostos. É só deixar o comentário ali embaixo.

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Surveiller et Punir I

    Vigiar e punir. É assim que começaremos essa reflexão, que lançarei por etapas, para não se tornar fatigante. Assumo aqui que esse texto não será estático e trata-se de uma linha de pensamento, quase como um diário de bordo do que se passar pela minha mente nos próximos tempos.
    Vigiar e punir, como já escreveu Focault, no tratado "nascimento da prisão", corresponde ao sistema empregado em nossa era moderna nas mais diversas instituições, da escola à prisão. Atendemos todos a um conjunto de normativas, normas de sensos, leis que devem ser seguidas às riscas, a fim de obter-se um sistema ordenado e funcional e suas hierarquias serem mantidas.
    Para que tal status seja mantido, entretanto, como dito n'A República, de Platão, bem como na obra Do Contrato Social, de Rousseau (uns 2500 anos de diferença, entre eles), é necessário que o cidadão faça parte da sociedade - e para isso, abdica-se de certas liberdades e individualidades, para obter as vantagens de se viver em uma sociedade estabelecida. A situação problema é que nenhum cidadão vivente, nos dias de hoje, opta por participar ou não da sociedade. Ele apenas a vive, nascido imerso em todo um contexto milenar, sem a real interpretação do que é ser um cidadão ou de quais liberdades se está disposto a abandonar, tais quais os benefícios compartilhados pelo todo.
    E a mais natural ordem, a partir da situação onde se tem um ponto de incômodo ou discordante, que tal cidadão se rebele. Ainda mais quando alguns destes pontos de ordenação desfavorecem o indivíduo em questão. Mas a ordem precisa ser mantida para a manutenção do sistema.

   A partir dessa divergência de interesses e necessidades, surgiu o conceito de vigiar e punir. As instituições vigiam os indivíduos dela integrantes e os punem caso descumpram regras. Sanções das mais diversas. Das brandas às mais severas. Exemplificando pelas instituições de ensino, desde a mais tenra idade: quando a criança desafia o padrão proposto pelo pedagogo, esta é repreendida de maneira violenta, seja por um cenho franzido ou advertência verbal - em casos extremos, a criança é levada à corte suprema e última instância: a mãe. Mesmo que tal desvio de comportamento seja benéfico à criança, como por exemplo a interação desta primeira com uma colega de sala, desenvolvendo linguagem própria e meios de propor um convívio estabelecido pelas duas crianças, estas serão repreendidas por fugirem ao padrão proposto, engessado.
    Um caso mais severo pode ser elencado como o sistema prisional, onde o indivíduo, vigiado pela sociedade, é punido ao cometer algum crime, seja este qual for, com o estigma da perda da liberdade e o encarceramento. Ou em alguns nichos específicos, certos crimes são passíveis de punições ainda mais bárbaras, como amputação de membros, a pena de pagar com sua própria vida, ou o mais extremo caso, onde a pessoa é condenada a pagar por toda a eternidade, numa condição de sofrimento absoluto - proposição fictícia, religiosa, mas até hoje amplamente aplicada - afinal, ninguém quer ir para o inferno.

    Descrito o sistema de punição, de mais fácil entendimento, passamos ao ato de vigiar. Como se dá essa vigilância? O conceito é complexo. O sistema necessitaria de indivíduos de extrema idoneidade e que conhecessem todas as normais sociais para serem vigilantes, policiadores e juízes de todos em volta, durante tempo integral. A mão de obra empregada nesse sistema seria muito grande e estariam sujeitos à variâncias de interpretações e de influências.
    Acho que o sistema de vigilância, como proposto por Platão (não nos termos de vigilância, mas uma primeira ponderação), se tratou da relação homens e seres superiores, onde um humano seria observado por deuses do panteão e devidamente punido por seus atos contra tais deuses. Mas os deuses greco-romanos tinham índole humana e eram passíveis de subornos, como orações, presentes ou o próprio sexo. Com o desenvolvimento do monoteísmo cristão (e islâmico), esse advento duma entidade superior onipresente, onisciente e onipotente criou a situação onde o indivíduo é sujeito à monitoração integral em todos aspectos de sua vida e sujeito ao inferno, em caso de desvio de conduta. E aí temos que essa primeira vigilância submeteu a sociedade à religião. E criou-se o sistema panóptico (pan - muitos // ópticos-olhos), onde Deus estaria em vigília constante.

    Com a perda do poderio da religião, muito pelo avanço da ciência, decaimento do misticismo e ascensão da classe burguesa, lá pelo fim do feudalismo, fim da idade média, a religião espalhou duramente na sociedade a ética religiosa, e passamos a ser nossos próprios vigias. Cada indivíduo observando o outro e buscando seus erros, para uma exposição social daquele que comete erro. Tornou-se o "pecador", o "herege". E isso foi carregado por mais de meio milênio, e até hoje temos uma densa metodologia de panopticismo religioso.
    Mas a religião não tardou para perder seu poder sobre os indivíduos, cada vez mais rebeldes presos em uma série de condutas dogmáticas, e com o atual grau de desenvolvimento da tecnologia, esse panopticismo foi se desenvolvendo ao ponto de termos câmeras nos vigiando. Celulares nos rastreando. E nós, na inocência, expondo nossas vidas, como se fosse algo divertido e correto, ao mundo todo, a partir de redes sociais. Nós estamos fornecendo insumos para sermos fiscalizados.


Parte II (na próxima postagem): o sistema punitivo e sua eficácia.

quarta-feira, 11 de março de 2015

Análise repentina de conjuntura

   Salve camaradas. Estava esperando o meio de transporte "público", esperando para dar mais 4 reais e dez centavos prum certo Belarmino aí, quando tive um insight. E precisei esperar o trajeto delongado para tentar por no papel as ideias que passaram na minha mente em 3 segundos. Sim, foi tipo uma onda que trouxe uma avalanche de pensamentos. Um típico lampejo.

   Ponderei, por algumas frações de segundos: o que une a esquerda? E não me veio lá muita coisa a mente. Fui um pouco além e tentei conceber um sentido para a esquerda, de fato. E caí na concepção de um camarada, alguns anos atrás (é, Well, sua definição me foi marcante): "a esquerda é o contrário, o que se contrapõe ao sistema". Oras pois, nosso sistema, portanto, seria a direita e seguir nos trilhos seria ser um cidadão que faz tudo direitinho.
    Mas não para por aí, afinal de contas, não basta ser contra o sistema, se não definirmos as fronteiras do sistema, não adianta sermos contrários a um determinado aspecto se não delimitarmos o universo, questão termodinâmica de análise. Então podemos colocar a esquerda como sendo um ponto de vista no qual há uma igualdade formal/material. E tal igualdade não é subjetiva, e trata-se de toda uma reforma, a fim de obtermos um estado onde não há privilégios a nenhum determinado grupo, ou seja, onde não haja minorias - minorias em sua definição, que não quer dizer grupo com menor quantidade de indivíduos, e sim um grupo que sofre uma opressão -> opressão no sentido de desigualdade sistêmica que prejudica um grupo e favorece ao grupo de seus opressores. 
   E aí a gente esbarra num ponto: várias das minorias são opressoras de outras minorias. E a esquerda se segrega. Dificulta essa união. Fissuras e mais fissuras, diversos braços e situações - o que de fato é o importante, por trazer um panorama de respeito aos mais diversos gêneros, categorias, etnias e grupamentos de pessoas. Motivo da nobreza e da fraqueza da esquerda.
    E a direita? A direita é a representação do sistema. Uma conjuntura que se perpetua e se fortifica por si mesma. Cria mecanismos de formação de opinião de maneira subjetiva, como jornais e mídias que ao invés de informar, adquirem o papel de formar e moldar toda uma massa presente no país, aproveitando os pontos segregativos causados pelas divergência da esquerda e colocando quem está no poder como correto, como meta a ser atingida e como o ideal. A direita se une atrás de um único recurso, afinal, tem um objetivo em comum para todos aqueles que a cultivam: o capital. Tudo se une em volta de ter o maior acúmulo de capital. Métodos cada vez mais sutis de exploração e de subjugação de todo e qualquer humano em prol do desenvolvimento do capital.

    E aí que chegamos num contrassenso: como lutar com um sistema quando nossos meios de comunicação e de educação são todos formados e formatados para prosseguir com a construção desse sistema?
    E aí que cheguei no ponto do insight: a esquerda precisa se empoderar. Como assim? Bem, nós tretamos com a direita, enquanto a direita flerta com nossas crianças, jovens, adultos e provém uma formação. Ficamos com pinta de inimigos e caímos no erro de sermos enquadrados com a alcunha de comunistas comedores de crianças. Acho que o empoderamento da esquerda deve se basear prioritariamente na pedagogia. Devemos buscar no flerte nossos aliados, e não na combatividade.
    Vejo muitos camaradas - e eu, inclusive, permaneço fazendo isso - criando rachas e discussões infindáveis com pessoas de ideologias próximas ou totalmente distintas. CARALHO, o inimigo não é o coleguinha direitista (ok que é um soldadinho do capital, mas não é a figura em si). O nosso foco deve ser em mostrar, sem agressões ou discussões, mas sim no empoderamento pessoal, trazendo à mente o quão libertadora a esquerda deve ser para o indivíduo em questão, o quanto ele passará a ter/ser/poder se x coleguinha se desatrelar das correntes 'direitosas'. E isso sem trocar farpas, sem trocar insultos ou sem sermos agressivos. Empoderar cada coleguinha que tivermos.

Depois que debandarem pra esquerda, aí a gente treta nos núcleos. Mas antes disso, vamos conter os diálogos, por o pé no freio e EMPODERAR a esquerda. A direita tem um sistema que se promove automaticamente. A esquerda só é forte quando todos estivermos juntos - porque sozinhos, caímos (Sabotage). Então é hora de tomarmos o poder do capital e por na mão das pessoas. Do mundo todo. Trazer coleguinhas pro lado de cá. E isso é muito difícil. Não urrar contra nossos opressores é doído, mas o sistema só muda se os males forem cortados pela raiz. Arrancar folhas não vai fazer diferença num universo tão grande. Despertar a empatia, nossa missão.

domingo, 5 de outubro de 2014

A esquerda e o Brasil

    O PT errou. Essas eleições nacionais são a prova incontestáveis desse panorama.
    A esquerda do Brasil falhou. O PT falhou junto com ela - ou fez ela falir.
    Dentre muitos anos, a esquerda no país foi se construindo, pautada no desenvolvimento de um contra-sistema, sempre buscando as demandas dos trabalhadores e pobres. Com a chegada do PT ao poder, na era Lula, houve uma acomodação da esquerda. Os líderes desta esquerda nacional foram, então, absorvidos pelo aparelhamento do serviço público - se tornaram governistas, e os movimentos sociais foram dissociados e enfraquecidos.
    A esquerda é constituída por movimentos sociais, que são nada mais do que as pautas daqueles que sofrem com a opressão do sistema, e se organizam para realizar defesas. Tendo suas lideranças dentro do próprio sistema opressor, enfraquecem e desestruturam totalmente tais pautas, a base dos movimentos se perde. E assim a esquerda brasileira findou.
    Findou ao se associar com todo gênero de capitalistas, afim de se manter na posição de governista. É cômodo estar na posição de governista, onde tem-se respaldo e arrogância para refutar, ainda que falaciosamente, e colocando-se em posição de superioridade inatingível. Neste processo para manutenção do status de poder, atrelou-se a corja de capitalistas das piores estirpes, como ruralistas e industriais anti-ecológicos. Entretanto, pela defesa de movimentos sociais vai-se de encontro aos interesses de tais financiadores, que, barões e donos de capitanias hereditárias virtuais, trabalharam em ceifar a imagem do partido, a ponto do tratamento midiático sobre corrupção ser a principal pauta de todo um plano de governo da então oposição - que vai subir.

    Conforme o PT desestruturou-se como esquerda, surgem novos partidos no cenário nacional com propostas similares às origens deste partido, como PSOL, PSTU, PCB, PCO. Entretanto, pautam-se numa esquerda intelectualizada e acreditam que uma teoria de esquerda e uma militância burguesa e elitizada intelectualmente, que não dá voz ao trabalhador. Fixa-se em centros universitários e não dialoga com o trabalhador. Não se constrói pelas reais demandas de necessidades do trabalhador, mas tomam para si as pautas progressistas que, embora estritamente necessárias, não atendem às mais básicas necessidades, como dar um teto ou um lar ao trabalhador. Esperam que, como em teoria, haja revolução a partir de um momento de dificuldade. Falam em sentimento de classe, sem que estes mesmos pertençam a classe do proletariado. Falharam em falar a língua do povo.
   O PT também falhou em criar o sentimento de classe de proletariado. Empoderou financeiramente o trabalhador e esperou que pela estabilização econômica, gerasse a classe trabalhadora, ignorando-se a conjuntura atual, onde o possuir, o consumir são mais importantes que o pertencer a um grupo ou ser parte de algo. O indivíduo torna-se maior que o grupo e a individualização, o possuir mais e mais é o diferencial e o importante ao ser. Erramos em deixar a CNB tomar conta do governo, essa corrente ideológica composta por muitos oportunistas de situação governista.

    Temos a bancada mais conservadora, rançosa, retrógrada do século. E uma esquerda nacional desestruturada. Um estado de São Paulo onde até o Suplicy, o senador vitalício, foi derrubado. E todos estamos perdidos - e não sabemos para onde correr. Qual o próximo passo? Quem vai dar o primeiro passo para a revolução, e como será dado?

   Será que agora há uma união da esquerda nacional?

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Aos machos de esquerda (uma dica rápida sobre feminismo exclusiva para você, homem!!!):

Aos machos de esquerda (uma dica rápida sobre feminismo para você, homem!!!):
Sabe quando aquela mina radfem, ou qualquer feminista vira pra você e fala que não tem que "explicar porra nenhuma pra macho"?
Isso te incomoda, bróder?
Sabe quando ela diz que você não pode ser militante feminista? Isso te incomoda, bróder?
Sabe quando a feminista fala que você não vai entender isso, então não adianta explicar, porque você nunca vai conseguir fazer?
Você diz que é feminista e elas dizem que não. Isso te incomoda, bróder?
Pois é. Vez ou outra eu fico ressabiado com isso. Algumas vezes já fiquei com uma mistura de raiva, de tristeza, de inconformismo, de... sei lá, muita coisa. Ainda sinto isso, embora venha se reduzindo.
Você, moço da esquerda, que diz que "feminismo não é isso, feminismo é sobre igualdade" mimimi - você tá sendo, na real, bem bobo (pra não usar um termo mais ofensivo). Sabe por quê?
Quantas vezes você já viu alguém dizendo que "fez cagada no volante? É mulher!", ou "sai daqui, fulana, isso é conversa de homem", ou "você não pode fazer isso, é coisa de menino"? Eu ouço isso o tempo todo, vejo coisas assim acontecendo em todos os momentos, em todas as classes sociais, com todas as mulheres que vejo. É um SISTEMA inteiro voltado a oprimir e subjugar as mulheres. Isso é opressão. Você não poder fazer parte do feminismo não e opressão, cara, é só uma opção delas e fodac.
O TEMPO INTEIRO TEM UM (ou mais) CARA incapacitando a mulher, excluindo a mulher, desqualificando, objetificando a muierada toda.
Então se feminismo é sobre igualdade, elas só tão buscando a igualdade, porra! Igualdade de poder ter os espaços próprios. Se vc quer invadir, vc já tá indo contra seu próprio discurso sobre buscar igualdade.
E mais: se tá incomodando, tem um motivo: elas tão se empoderando, elas estão ganhando poder, elas estão ganhando um espaço SÓ delas.
Você, homem, que quer contribuir pro feminismo: você não pode ser militante porque você não vivencia a opressão, você não sabe quando tá sendo opressor. Por mais que nós sejamos machos beta, épsolon, gama, ômega zeta, ainda somos macho. Podemos chupar xoxotas. Ou pipis. Ou os dois. Mas ainda somos MACHOS e por isso somos seres construídos pra sermos opressores e subjugadores de mulheres. É um sistema de mais de 2 mil anos traçando o melhor jeito possível pra inferiorizar as mulheres nas mais diversas situações possíveis.
Quer fazer algo que presta? Desconstrua seu machismo. Não é fácil. Por mais que tentemos, sempre teremos algumas raízes machistas. Sempre teremos traços de comportamentos machistas, por menores que sejam.
E se vc faz isso: cara, vc não merece palmas, você só tá sendo ético. E seguindo a filosofia da esquerda, onde não há diferenciamento de tratamento das pessoas, ñ importando por quais motivos sejam.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Parabéns, é um menino!

    E se beijaram, e despiram-se. E treparam, de todos os jeitos possíveis. E ele gozou.
    A menstruação atrasou. Uma semana. Duas. Três. O teste - ela estava grávida. Três meses passam, e o ultrassom. Ginecologista disse: parabéns, é um menino!
    Pai já se apressou: vai ser corinthiano! E trataram de enxovalhar o feto. Blusas, casaquinhos, toucas, coletes, suéteres, cachecóis. Azuis, brancos, verdes, amarelos, no máximo. Cor de macho. Vai ser boleiro, vai jogar bola. Ou piloto. Agora que tá mais na moda, por que não lutador de MMA?
    Nasceu, 41 semanas, ficou uma a mais ali dentro, pra ganhar peso. 3,850kg, um tourinho. Era o maior bebê do quarto, o mais forte, o maior. Ricardo, pra nunca ser corno, ser sempre o Ricardão. Foi o que o pai escolheu, em homenagem ao avô, que foi pracinha na segunda guerra, aquele era cabra macho.
    Foi pra casa, no seu quarto azul, e já ganhou um carrinho de pelúcia. "Ele vai namorar a filha da Maria e a filha da Zulmira, e vai ser o Ricardão da filha da Joana, vai ser menino-namoradeiro". Mamãe sempre trocava a fralda e dava o banho e papá. Papai ia trabalhar fora.
    Cresceu um pouquinho e foi pra creche. Tinha que ser o dono dos brinquedos, e escolher as brincadeiras. Filho meu - dizia o pai - não pode ser mariquinha, se alguém quiser pegar o que é dele, ele não vai deixar, vai descer porrada, ele precisa ser respeitado, como homem que é. E se chorava, tinha que engolir, "homem de verdade não chora". Aprendeu assim, que ele mandava, porque era o maior, porque era o mais forte, porque era o mais macho da sala.
    Já na primeira série (que na verdade é segundo ano, mas o pai teima que, como na época dele não era assim, não tem porque ter essas frescuras agora), aprendeu que os amiguinhos mais fortinhos podiam se juntar, e assim eles comandariam o pedaço. Meninas?Eca! Aquele menino mais bonzinho parecia agir que nem uma menininha. E já era peladeiro, chutava que nem gente grande. Gente grande não, chutava que nem homem.
    Tinha coleção de carrinhos da hot wheels. Lava rápido. Autorama. Bola. Fazia karatê. Batia nos meninos que pareciam menininhas e já aprendeu que tinha que puxar o cabelo das meninas, se elas falavam grosso com ele. E mamãe comeu pó royal, a barriga dela cresceu. Ricardinho não entendeu bem aquilo, mas fizeram um outro quarto na casa, e era daquela cor de menina, rosa. E tinha flores na parede, e bichinhos de pelúcia vermelhos, rosa, lilás. Tava no terceiro ano quando a Julinha veio. Uma irmã, eca. Pelo menos ele não teria que dividir os brinquedos, nem o videogame.
    Videogame onde tinha jogos de luta e de atirar. E ele aprendeu que nem sempre os heróis tinham super poderes. Às vezes uma arma pesada e músculos bastavam, e se empenhou ainda mais no seu karatê. Na sexta série, um menino da sala, um gordinho que falava calmo, deu uma flor de presente pra ele. O pai ficou satisfeito em ir a direção e explicar que o outro menino tava agindo como um boiola, e o filho dele só tava se protegendo. E um ano depois, voltou com sorriso ainda maior quando foi explicar que o filhão gostava da Catarina, por isso tinha puxado o braço dela e dado um beijo na menina, que era uma gracinha e formava um ótimo casal com o Ricardinho.
    Ricardinho começava a gostar da ideia de ter uma irmã, agora, no primeiro colegial, porque ela tinha 8 anos, e agora ele não precisava mais lavar o prato do almoço, nem varrer o quarto; ela já era grandinha e podia fazer isso, como a boa moça que era, seria uma boa mulher. E também varria a casa e até recolhia a roupa que ele largava no chão do quarto, como uma boa caçula.
    E logo chegou vestibular, onde ele escolheu um curso de respeito, numa universidade noutra cidade, ia ser engenheiro mecânico. Esses cursos de exatas, principalmente esse, que os meninos tem mais facilidade, uma visão mais fria. E quando voltou pra casa, veio com a namorada da facul, que prontamente ajudou a mãe a retirar todos os pratos da mesa do jantar de apresentação do namorado da irmã. Treze aninhos, tão nova, e com aquele macho de 15 anos - não, ele não ia encostar a mão na irmã dele. Quando ela foi pegar o CD que tinha ganho do namorado, no quarto, deu uma olhada feia e não deixou o menino ir com ela - onde já se viu, essa sem vergonhice de um homem entrar no quarto da irmãzinha dele. E antes do menino ir embora, ainda tomou um sermão de Ricardo e uma severa ameaça, caso fizesse qualquer coisa além de andar de mãos dadas com a Julinha. Logo os pais foram dormir, ou tentar, porque o barulho do Ricardo transando incomodava demais, de tão alto que estava.
    Dois meses depois, a namorada do Ricardo descobriu que tava grávida. "Ou tira ou te mato, não vou deixar você estragar minha vida, quero virar engenheiro". E o pai do Ricardo pagou o aborto.
    Ricardo logo era engenheiro, e sua irmã tava no terceiro namorado. "A vergonha da família, onde já se viu ficar andando por aí, com essas roupas? E olha isso, já deu pra dois. Que vergonha dela, não vai achar ninguém que preste". Quando descobriu que uma amiga da irmã estava grávida, aos 16: "puta é assim mesmo, fica dando, engravida".
    Ricardo foi fazer uma especialização, e ia de carro pra faculdade. Fazia questão de buzinar e mexer com as moças, sempre que passava perto.
    Certa vez ele viu uma moça saindo do posto, na esquina da faculdade; era a balconista. Resolveu fazer uma brincadeira e passou com o carro devagarzinho, ofereceu carona. Velho conhecido, frequentador do posto, ela aceitou e entrou. Ele parou o carro, fez uma proposta indecorosa, puxou ela pelos cabelos e arrancou a roupa dela e comeu a moça, ali mesmo, enquanto ela chorava. Bem, ele tava tranquilo. Quem ia acreditar numa balconista de bar, que morava na periferia, perto dum mestrando daquela universidade pública tão conceituada? Ela até registrou B.O., mas ninguém tinha visto nada, e ele sabia que ia contar aquela história pros netos, com o maior orgulho.

    E na multinacional, que Ricardo trabalhava, aconteceu uma seleção pra gerência do setor. Quando descobriu que na final sobrou ele e uma moça, já soltou "Ah, é pra ser chefe. Mulher não tem sangue frio pra isso, são sentimentais demais. Como ela vai demitir alguém?". Ela reclamou que era machismo aquilo. "Machista? Eu? O machismo oprime os homens, tenho que pagar conta, ir pra guerra! Eu não sou machista, só tô falando a verdade!".
    ...
   

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sobre feto e afeto

    Queria falar sobre isso alguma hora. Não achei um momento propício, mas andei pensando a respeito, então resolvi pontuar as ( minhas poucas) ideias. Então vamos lá, falar sobre um tema tão delicado quanto possível: aborto.

A putinha aborteira
    Costumeiramente a mulher que aborta é estereotipada como a chamada "putinha  aborteira", uma moça na casa dos 16-25 anos sexualmente livre que agiria de maneira inconsequente e transaria com todos (e todas), sem os devidos cuidados (chamado de sexo seguro, utilizando preservativo - masculino ou feminino), que engravidaria e abortaria com alguma frequência.
    Uma pesquisa realizada em 2010, na UnB, em parceria com o Instituto de Bioética, financiado pelo Fundo Nacional de Saúde, com mais de 2 mil mulheres (brasileiras, 18-39 anos) mostra uma outra figura desta mulher que aborta. 64% das mulheres que abortaram eram casadas. 81% delas já é mãe de pelo menos um filho. Um quarto ganha até um salário mínimo, 31% de 1 a 2 salários, 35% de 2 a 5 e ~10% acima de 5 salários (então a faixa gorda dessas mulheres apresenta uma faixa de renda suficiente para sustentar - não necessariamente com qualidade - um filho a mais). Cerca de 60% tem de 30 a 39 anos.
    E não pense que é coisa de atea. 88% das mulheres que abortam, tem religião, e dentre essas, 65% católicas, 25% evangélicas. Então mulheres balzaquianas, com alguma faixa de renda e religiosas são o perfil médio das "putinhas aborteiras".

Aborto e a mulher: questão de saúde pública
    Quando temos um problema de saúde pontual, em uma região (bairro, cidade), é um caso isolado. Se ocorre num determinado nicho populacional, como uma determinada faixa etária, ou classe social, ou população de uma região grande, é um caso que precisa de alguma atenção, uma certa atuação do poder público com políticas específicas. Quando é um problema generalizado, é um caso de saúde pública.
    No estudo proposto por Greice Menezes; Estela M. L. Aquino, no Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, apresentou um índice de mortandade de quase 12% das grávidas por conta de abortos.
    Cerca de 1/3 dos leitos obstétricos do país estão ocupados por mulheres que sofreram complicações com abortos inseguros. E elas ocupam esses leitos por muito mais tempo do que partos normais ou cesarianas. A estimativa é de cerca de 20% das mulheres do país terem realizado aborto. Jefferson Drezet,
ginecologista e obstetra representante do Grupo de Estudos do Aborto (GEA), aponta que no Brasil ocorrem cerca de 1 milhão de abortos e 250 mil internações por ano, por decorrência de abortos inseguros, sendo a maior causa de internações obstetrícias no país.
    De cada 5 abortos, 2 são realizados de maneira totalmente insegura (isso inclui inserir agulhas de crochê pelo canal vaginal, até o útero, entre outras práticas dignas de um açougue).
    Um aborto clandestino seguro tem seu custo entre 2 e 5 mil reais, dependendo do local e do estágio de gravidez, apresentando altos riscos para a mulher que o realiza. Esse montante destinado ao procedimento torna-o, por muitas vezes, inacessível à mulher pobre, da periferia, que acaba optando por métodos com cara de filme de terror, causando um ônus absurdo a saúde da mulher, daqueles que vão custar 100-500 reais, coisa que com muito esforço o salário mínimo vai pagar (lembrando que um filho sai muito, mas MUITO mais caro que isso, mensalmente, até pelo menos 18 anos).
    A criminalização do aborto dificulta o tratamento, uma vez que muitas das mulheres que chegam em hospitais com hemorragias não dizem ser por conta de abortos, mas claramente tem-se neles a causa das complicações. 
 
Aborto criminalizado X aborto regulamentado
    O aborto é legal nos seguintes países:

África do Sul
Albânia
Alemanha
Armênia
Áustria
Azerbaijão
Belarus
Bélgica
Bósnia
Bulgária
Camboja
Canadá
Cazaquistão
China
Coréia do Norte
Croácia
Cuba
Dinamarca
Eslovênia
Estônia 
França
Geórgia
Grécia
Guiana
Guiana Francesa
Hungria
Itália
Laos
Letônia
Lituânia
Luxemburgo
Macedônia
Moldávia
Mongália
Montenegro
Nepal
Noruega
Porto Rico
Portugal
Quirguistão
República Tcheca
Romênia
Rússia (desde a época da URSS, legalizado e totalmente custeado pelo governo desde 1920)
Sérvia
Suécia
Suíça
Tadjiquistão
Tunísia
Turcomenistão
Turquia
Ucrânia 
Uruguai
Uzbequistão
Vietnã

  O Uruguai é o caçula dessas nações aí, em dezembro 2012 (pelo lindo do Mujica <3 ). Antes da legalização do nosso hermano, a taxa estimada era de 33 mil abortos por ano, caindo pra menos de 6700, no primeiro ano após a regulamentação. E nenhuma morte. 50 mulheres apresentaram complicações leves que tiveram que passar um período de até 24h no hospital. Os demais casos não houve nenhum tipo de sequela ou problemática.
    Para entender melhor como nosso hermano maconheiro e abortista funciona: o aborto até 3 meses (~12 semanas, antes do feto começar a desenvolver uma rede neural, que virará o sistema nervoso, portanto não pensa nem sente nada). A mulher que opta pela realização do aborto é então dirigida a uma série de orientações, onde vai entender o procedimento e depois por uma triagem pra avaliação psicológica e começar o tratamento psicológico. Note que essas medidas reduziram o número de abortos pra cerca de 20% do que era, anteriormente.

O aborto e o direito reprodutivo
    Vale lembrar que as medidas voltadas ao aborto fazem parte do direito ao planejamento reprodutivo da população, que é o direito do indivíduo escolher como e quando se reproduzir. Para se ter acesso aos métodos, além da possibilidade de ter o preservativo, o anticoncepcional ou qualquer outro método, é preciso saber como utilizá-lo. Temos, em nosso país, plena distribuição de camisinhas (masculinas), mas grande parte da população sequer sabe como utilizar (sério, muita gente acha que só põe na hora de gozar, ou ~tenha criatividade e imagine absurdos~ e pronto, terá de tudo), além do peso da religião em evitar o uso de tais recursos. Nas escolas o sexo é tido como tabu, e a orientação sexual é muitas vezes evitada, ou explanada de maneira muito superficial, o que agrava a situação da má utilização de camisinhas ou anticoncepcionais.
    Enquanto o país não tiver uma metodologia de aplicação 100% eficaz dos métodos contraceptivos, não se pode cobrar uma postura não abortiva. É burra por definição essa tomada de decisão. A pessoa tem que ter o total controle de quando quer se reproduzir, por estar em condições financeiras, psicológicas e de carreira de criar uma criança. E sim, acidentes acontecem SIM.
    E só pra dar um toque: querendo você ou não, os abortos vão continuar acontecendo. Quer ser pró-vida, seja a favor da legalização, que sempre resulta em diminuição da mortandade (se a mãe morre a criança não desenvolve, né, gentem...), então sai pra lá com esse papo de pró-vida.

O aborto e a sociedade (machista)
    Quanto à condenação do aborto, perante a sociedade, não é preciso frisar que é uma conduta machista, né? Mas o que esperar de um país ocidental com uma formação cristã (e uma bancada nada laica no Congresso)  como o nosso? A igreja católica já é machista pra caramba, tanto pela parte hierárquica quanto pela sua construção política que visava quebrar o lance da mulher empoderada das religiões pagãs. Tanto é que Papai do céu é homem - e não fala com nenhuma mulher ao longo da bíblia inteira, né.
    A sociedade condena a mulher que opta por não ser mãe, chamando-a de homossexual e tal. Ou faz uma pressão imensa para que toda mulher seja mãe. O que não acontece com uma mulher que desiste de ser mãe, carregando um feto? Enquanto o homem que opta por não ser pai é ok, desde que pague pensão. E quando pai, nem precisa participar na formação da criança.
    A condenação do aborto é dada por esse caráter machista da nossa sociedade, o que precisa ser urgentemente alterado. Ou que os ""direitos de cidadão de bem"" sejam iguais, e o pai que abandona seja violentamente execrado e humilhado socialmente, se o fizer (não desejo isso nem prazinimiga, quero mais que todo mundo seja feliz e abortivo mesmo).
    Num cenário hipotético onde haja pleno acesso a todos os tipos de métodos contraceptivos 100% eficazes, e não houvesse violência contra a mulher, para que ela pudesse escolher quando engravidar, o aborto seria desnecessário. Enquanto essa utopia não for atingida, o aborto NECESSITA ser legalizado com a mais breve urgência.

     Chegamos num ponto onde tá rolando aquele lance de estuprador assumir como pai, ter q dar pensão e ainda por cima ter direito a visita da criança, que obviamente, enquanto feto, não poderia ser abortada. Barbárie, né, gente.

    Não pretendo tratar dos aspectos psicológicos da mulher nesse texto (por não ter conhecimento e se fosse pesquisar o texto ia ficar demasiadamente longo e ninguém ia ter pachorra de ler), nem do cenário do estupro ou cultura de estupro que rola por aí (fica pra um texto futuro), então é isso. Acho que tem que legalizar sim, querendo religiosos ou não, porque uma postura dogmática pode e DEVE ser contestada, principalmente quando os números estão totalmente contra as afirmações deles e da sociedade que se embasa nesses conceitos pra dialogar. Enquanto houver morte e violência contra mulheres, a coisa precisa ser combatida