terça-feira, 8 de julho de 2014

Parabéns, é um menino!

    E se beijaram, e despiram-se. E treparam, de todos os jeitos possíveis. E ele gozou.
    A menstruação atrasou. Uma semana. Duas. Três. O teste - ela estava grávida. Três meses passam, e o ultrassom. Ginecologista disse: parabéns, é um menino!
    Pai já se apressou: vai ser corinthiano! E trataram de enxovalhar o feto. Blusas, casaquinhos, toucas, coletes, suéteres, cachecóis. Azuis, brancos, verdes, amarelos, no máximo. Cor de macho. Vai ser boleiro, vai jogar bola. Ou piloto. Agora que tá mais na moda, por que não lutador de MMA?
    Nasceu, 41 semanas, ficou uma a mais ali dentro, pra ganhar peso. 3,850kg, um tourinho. Era o maior bebê do quarto, o mais forte, o maior. Ricardo, pra nunca ser corno, ser sempre o Ricardão. Foi o que o pai escolheu, em homenagem ao avô, que foi pracinha na segunda guerra, aquele era cabra macho.
    Foi pra casa, no seu quarto azul, e já ganhou um carrinho de pelúcia. "Ele vai namorar a filha da Maria e a filha da Zulmira, e vai ser o Ricardão da filha da Joana, vai ser menino-namoradeiro". Mamãe sempre trocava a fralda e dava o banho e papá. Papai ia trabalhar fora.
    Cresceu um pouquinho e foi pra creche. Tinha que ser o dono dos brinquedos, e escolher as brincadeiras. Filho meu - dizia o pai - não pode ser mariquinha, se alguém quiser pegar o que é dele, ele não vai deixar, vai descer porrada, ele precisa ser respeitado, como homem que é. E se chorava, tinha que engolir, "homem de verdade não chora". Aprendeu assim, que ele mandava, porque era o maior, porque era o mais forte, porque era o mais macho da sala.
    Já na primeira série (que na verdade é segundo ano, mas o pai teima que, como na época dele não era assim, não tem porque ter essas frescuras agora), aprendeu que os amiguinhos mais fortinhos podiam se juntar, e assim eles comandariam o pedaço. Meninas?Eca! Aquele menino mais bonzinho parecia agir que nem uma menininha. E já era peladeiro, chutava que nem gente grande. Gente grande não, chutava que nem homem.
    Tinha coleção de carrinhos da hot wheels. Lava rápido. Autorama. Bola. Fazia karatê. Batia nos meninos que pareciam menininhas e já aprendeu que tinha que puxar o cabelo das meninas, se elas falavam grosso com ele. E mamãe comeu pó royal, a barriga dela cresceu. Ricardinho não entendeu bem aquilo, mas fizeram um outro quarto na casa, e era daquela cor de menina, rosa. E tinha flores na parede, e bichinhos de pelúcia vermelhos, rosa, lilás. Tava no terceiro ano quando a Julinha veio. Uma irmã, eca. Pelo menos ele não teria que dividir os brinquedos, nem o videogame.
    Videogame onde tinha jogos de luta e de atirar. E ele aprendeu que nem sempre os heróis tinham super poderes. Às vezes uma arma pesada e músculos bastavam, e se empenhou ainda mais no seu karatê. Na sexta série, um menino da sala, um gordinho que falava calmo, deu uma flor de presente pra ele. O pai ficou satisfeito em ir a direção e explicar que o outro menino tava agindo como um boiola, e o filho dele só tava se protegendo. E um ano depois, voltou com sorriso ainda maior quando foi explicar que o filhão gostava da Catarina, por isso tinha puxado o braço dela e dado um beijo na menina, que era uma gracinha e formava um ótimo casal com o Ricardinho.
    Ricardinho começava a gostar da ideia de ter uma irmã, agora, no primeiro colegial, porque ela tinha 8 anos, e agora ele não precisava mais lavar o prato do almoço, nem varrer o quarto; ela já era grandinha e podia fazer isso, como a boa moça que era, seria uma boa mulher. E também varria a casa e até recolhia a roupa que ele largava no chão do quarto, como uma boa caçula.
    E logo chegou vestibular, onde ele escolheu um curso de respeito, numa universidade noutra cidade, ia ser engenheiro mecânico. Esses cursos de exatas, principalmente esse, que os meninos tem mais facilidade, uma visão mais fria. E quando voltou pra casa, veio com a namorada da facul, que prontamente ajudou a mãe a retirar todos os pratos da mesa do jantar de apresentação do namorado da irmã. Treze aninhos, tão nova, e com aquele macho de 15 anos - não, ele não ia encostar a mão na irmã dele. Quando ela foi pegar o CD que tinha ganho do namorado, no quarto, deu uma olhada feia e não deixou o menino ir com ela - onde já se viu, essa sem vergonhice de um homem entrar no quarto da irmãzinha dele. E antes do menino ir embora, ainda tomou um sermão de Ricardo e uma severa ameaça, caso fizesse qualquer coisa além de andar de mãos dadas com a Julinha. Logo os pais foram dormir, ou tentar, porque o barulho do Ricardo transando incomodava demais, de tão alto que estava.
    Dois meses depois, a namorada do Ricardo descobriu que tava grávida. "Ou tira ou te mato, não vou deixar você estragar minha vida, quero virar engenheiro". E o pai do Ricardo pagou o aborto.
    Ricardo logo era engenheiro, e sua irmã tava no terceiro namorado. "A vergonha da família, onde já se viu ficar andando por aí, com essas roupas? E olha isso, já deu pra dois. Que vergonha dela, não vai achar ninguém que preste". Quando descobriu que uma amiga da irmã estava grávida, aos 16: "puta é assim mesmo, fica dando, engravida".
    Ricardo foi fazer uma especialização, e ia de carro pra faculdade. Fazia questão de buzinar e mexer com as moças, sempre que passava perto.
    Certa vez ele viu uma moça saindo do posto, na esquina da faculdade; era a balconista. Resolveu fazer uma brincadeira e passou com o carro devagarzinho, ofereceu carona. Velho conhecido, frequentador do posto, ela aceitou e entrou. Ele parou o carro, fez uma proposta indecorosa, puxou ela pelos cabelos e arrancou a roupa dela e comeu a moça, ali mesmo, enquanto ela chorava. Bem, ele tava tranquilo. Quem ia acreditar numa balconista de bar, que morava na periferia, perto dum mestrando daquela universidade pública tão conceituada? Ela até registrou B.O., mas ninguém tinha visto nada, e ele sabia que ia contar aquela história pros netos, com o maior orgulho.

    E na multinacional, que Ricardo trabalhava, aconteceu uma seleção pra gerência do setor. Quando descobriu que na final sobrou ele e uma moça, já soltou "Ah, é pra ser chefe. Mulher não tem sangue frio pra isso, são sentimentais demais. Como ela vai demitir alguém?". Ela reclamou que era machismo aquilo. "Machista? Eu? O machismo oprime os homens, tenho que pagar conta, ir pra guerra! Eu não sou machista, só tô falando a verdade!".
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